II Conferência Nacional por uma Educação do Campo



II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo
Luziânia, GO, 2 a 6 de agosto de 2004

DECLARAÇÃO FINAL (VERSÃO PLENÁRIA)
Por Uma Política Pública de Educação do Campo


QUEM SOMOS

Somos 1.100 participantes desta II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo (II CNEC); somos representantes de Movimentos Sociais, Movimento Sindical e Organizações Sociais de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação; das Universidades, ONG´s e de Centros Familiares de Formação por Alternância; de secretarias estaduais e municipais de educação e de outros órgãos de gestão pública com atuação vinculada à educação e ao campo; somos trabalhadores/trabalhadoras do campo, educadoras/educadores e educandas/educandos: de comunidades camponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas, de assalariados, quilombolas, povos indígenas... A nossa caminhada se enraíza nos anos 60, quando movimentos sociais, sindicais e algumas pastorais passaram a desempenhar papel determinante na formação política de lideranças do campo e na luta pela reivindicação de direitos no acesso a terra, crédito diferenciado, saúde, educação, moradia, entre outras. Fomos então, construindo novas práticas pedagógicas através da educação popular que motivou o surgimento de diferentes movimentos de educação no e do campo, nos diversos estados do país. Mas foi na década de 80 / 90 que estes movimentos ganharam mais força e visibilidade. Temos denunciado a grave situação vivida pelo povo brasileiro que vive no e do campo, e as conseqüências sociais e humanas de um modelo de desenvolvimento baseado na exclusão e na miséria da maioria. Temos denunciado os graves problemas da educação no campo e que continuam hoje:
faltam escolas para atender a todas as crianças e jovens;
ainda há muitos adolescentes e jovens fora da escola;
falta infra-estrutura nas escolas e ainda há muitos docentes sem a formação
necessária;
falta uma política de valorização do magistério;
falta apoio às iniciativas de renovação pedagógica;
falta financiamento diferenciado para dar conta de tantas faltas;
os mais altos índices de analfabetismo estão no campo;
os currículos são deslocados das necessidades e das questões do campo e dos interesses dos seus sujeitos.

Reafirmamos a luta social por um campo visto como espaço de vida e por políticas públicas específicas para sua população.
Em julho de 1998, neste mesmo lugar, foi realizada a I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, promovida pelo MST, UNICEF, pela UNESCO, CNBB e UnB. Foi uma ação que teve papel significativo no processo de rearticulação da questão da educação da população do campo para a agenda da sociedade e dos governos, e inaugurou uma nova referência para o debate e a mobilização popular: a Educação do Campo que é contraponto tanto ao silêncio do Estado como também às propostas da chamada educação rural ou educação para o meio rural no Brasil. Um projeto que se enraíza na trajetória da Educação Popular (Paulo Freire) e nas lutas sociais da classe trabalhadora do campo.

O processo da I Conferência Nacional mostrou a necessidade e a possibilidade de continuar a mobilização iniciada. De lá para cá o trabalho prosseguiu através das ações das diferentes organizações e através de encontros, de programas de formação de educadores e educadoras e criação de fóruns estaduais. Uma conquista recente do conjunto das organizações de trabalhadores e trabalhadoras do campo, no âmbito das políticas públicas, foi a aprovação das “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo” (Parecer no 36/2001 e Resolução 1/2002 do Conselho Nacional de Educação). Outra conquista política importante está sendo a entrada da questão da Educação do Campo na agenda de lutas e de trabalho de um número cada vez maior de movimentos sociais e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras do campo e o envolvimento de diferentes entidades e órgãos públicos na mobilização e no debate da Educação do Campo, como pode-se observar pelo próprio conjunto de promotores e apoiadores desta II Conferência.

O QUE DEFENDEMOS

Lutamos por um projeto de sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao agronegócio e que garanta:
a realização de uma ampla e massiva reforma agrária;
demarcação das terras indígenas;
o fortalecimento e expansão da agricultura familiar/camponesa;
as relações/condições de trabalho, que respeitem os direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadoras e trabalhadores rurais;
a erradicação do trabalho escravo e da exploração do trabalho infantil;
o estímulo à construção de novas relações sociais e humanas, e combata todas as formas de discriminação e desigualdade fundadas no gênero, geração, raça e etnia;
a articulação campo – cidade, o local - global.

Lutamos por um projeto de desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e implementação.
O momento atual do país nos pareceu propício para realização de um novo
encontro nacional que fosse bem mais do que um evento; que pudesse reunir e fazer a síntese da trajetória dos diferentes sujeitos que atuam com a Educação do Campo. E assim fizemos. Nestes cinco dias da II CNEC estivemos debatendo sobre campo e sobre educação e especialmente nos debruçamos sobre como efetivar no Brasil um tratamento público específico para a Educação do Campo.
Nossas proposições estão voltadas para as crianças, os adolescentes, os jovens, os adultos e os idosos que vivem e atuam na diversidade de formas de produção e de vida no e do campo. Estamos especialmente preocupados com os milhões de adolescentes e jovens que estão fora da escola e de outros processos educativos formais ou que estão em escolas inadequadas ou precisam ir à cidade para estudar e que a cada dia se descobrem sem alternativas sociais dignas de trabalho e de permanência no campo.
Respeitando a diversidade dos sujeitos que aqui representamos e ao mesmo tempo construindo a unidade necessária para a tarefa que nos colocamos, queremos aqui reafirmar o nosso compromisso coletivo com uma visão de campo, de educação e de política pública:

- Defendemos uma educação que ajude a fortalecer um projeto popular de agricultura que valorize e transforme a agricultura familiar/camponesa e que se integre na construção social de um outro projeto de desenvolvimento sustentável de campo e de país como acima nos referimos.
- Defendemos uma educação para superar a oposição entre campo e cidade e a visão predominante de que o moderno e mais avançado é sempre o urbano, e que o progresso de um país se mede pela diminuição da sua população rural.
- Defendemos a mudança da forma arbitrária atual de classificação da população e dos municípios como urbanos ou rurais; ela dá uma falsa visão do significado da população do campo em nosso país, e tem servido como justificativa para a ausência de políticas públicas destinadas a ela.
- Defendemos o campo como um lugar de vida, cultura, produção, moradia, educação, lazer, cuidado com o conjunto da natureza, e novas relações solidárias que respeitem a especificidade social, cultural e ambiental dos seus sujeitos. Dessa dinâmica social e cultural se alimenta a educação do campo que estamos construindo.
- Defendemos políticas públicas de educação articuladas ao conjunto de políticas que visem a garantia do conjunto dos direitos sociais e humanos do povo brasileiro que vive no e do campo. O direito à educação somente será garantido se articulado ao direito à terra, à permanência no campo, ao trabalho, às diferentes formas de produção e reprodução social da vida, à cultura, aos valores, às identidades e às diversidades. Defendemos que este direito seja assumido como dever do Estado.
- Defendemos um tratamento específico da Educação do Campo com dois argumentos básicos: - a importância da inclusão da população do campo na política educacional brasileira, que é condição de construção de um projeto de educação nacional, vinculado a um projeto de desenvolvimento nacional, soberano e justo. Na situação atual esta inclusão somente poderá ser garantida através de uma política pública específica: de acesso e permanência e de projeto pedagógico; - a diversidade dos processos produtivos e culturais que são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo e que precisam ser compreendidos e levados em conta na construção do projeto pedagógico da educação do campo.
- Lutamos por direitos sociais, humanos, conseqüentemente universais, garantidos com políticas universais. Políticas que garantam a universalização do direito à educação.

O QUE QUEREMOS

1. Universalização do acesso da população brasileira que trabalha e vive no e do campo à Educação Básica de qualidade social por meio de uma política pública permanente que inclua como ações básicas:
- fim do fechamento arbitrário de escolas no campo;
- construção de escolas no e do campo;
- acesso imediato à educação básica;
- construção de alternativas pedagógicas que viabilizem com qualidade a existência de escolas de educação fundamental e de ensino médio no próprio campo;
- educação de jovens e adultos (EJA) adequada à realidade do campo;
- políticas curriculares e de escolha e distribuição do material didático-pedagógico que levem em conta a identidade cultural dos povos do campo;
- acesso às atividades de esporte, arte e lazer;
- condição de acesso às pessoas com necessidades especiais.

2. Ampliação do acesso e garantia de permanência da população do campo à Educação Superior por meio de uma política pública permanente que inclua como ações básicas:
- Interiorização das Instituições de Ensino Superior, públicas, gratuitas e de qualidade;
- formas de acesso não excludentes ao ensino superior nas universidades públicas;
- cursos e turmas específicas para atendimento das demandas de profissionais do campo;
- concessão de bolsas de estudo em cursos superiores que sejam adequados a um projeto de desenvolvimento do campo;
- inclusão do campo na agenda de pesquisa e de extensão das universidades públicas;
- financiamento pelo CNPq para pesquisas na agricultura familiar/camponesa e outras formas de organização e produção das populações do campo;

3. Valorização e formação específica de educadoras e educadores do campo por meio de uma política pública permanente que priorize:
- a formação profissional e política de educadores e educadoras do próprio campo, gratuitamente;
- formação no trabalho que tenha por base a realidade do campo e o projeto político e pedagógico da Educação do Campo;
- incentivos profissionais e concurso diferenciado para educadores que trabalham nas escolas do campo;
- Definição do perfil profissional do educador do campo;
- Garantia do piso salarial profissional nacional e de plano de carreira;
- Formas de organização do trabalho que qualifiquem a atuação dos profissionais da educação do campo;
- Garantia da constituição de redes coletivas: de escolas, educadores e de organizações sociais de trabalhadoras e trabalhadores do campo, para construção – reconstrução permanente do projeto político-pedagógico das escolas do campo, vinculando essas redes a políticas de formação profissional de educadores e educadoras.

4. Formação de profissionais para o trabalho no campo por meio de uma política pública específica e permanente de:
- cursos de nível médio e superior que inclua os jovens e adultos trabalhadores do campo e que priorizem a formação apropriada para os diferentes sujeitos do campo;
- uso social apropriado das escolas agrotécnicas e técnicas atendendo as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras do campo;
- fortalecimento das equipes técnicas;
- implementação de novos formatos de cursos integrados de ensino médio e técnico tomando como referência a sociobiodiversidade;
- formação e qualificação vinculadas a educação do campo, junto às universidades construídas coletivamente com os sujeitos do campo, às equipes técnicas contratadas e aos órgãos públicos responsáveis pela assistência técnica.
- criação de uma sugestão de agenda específica para os institutos de pesquisa sobre agricultura familiar/camponesa e outras formas de organização e produção das populações do campo.

5. Respeito à especificidade da Educação do Campo e à diversidade de seus sujeitos.
O campo tem sua especificidade. Não somente pela histórica precarização das escolas rurais, mas pelas especificidades de uma realidade social, política, econômica, cultural e organizativa, complexa que incorpora diferentes espaços, formas e sujeitos. Além disso, os povos do campo também são diversos nos pertencimentos étnicos, raciais: povos indígenas, quilombolas...;
Toda essa diversidade de coletivos humanos apresenta formas específicas de produção de saberes, conhecimentos, ciência, tecnologias, valores, culturas... A educação desses diferentes grupos tem especificidades que devem ser respeitadas e incorporadas nas políticas públicas e no projeto político-pedagógico da Educação do Campo, como por exemplo, a pedagogia da alternância.

O QUE VAMOS FAZER

As organizações que assinam este documento assumem o compromisso com as seguintes ações prioritárias:
1. Articular e coordenar a construção de uma Política Nacional de Educação do
Campo, em parceria governo federal e movimentos sociais, levando em conta as Diretrizes Operacionais, experiências já existentes e a plataforma aqui indicada.
2. Criar uma Política de Financiamento diferenciado para a Educação do Campo, com definição de custo-aluno que leve em conta os recursos e serviços que garantam a qualidade social da educação, as especificidades do campo e de seus sujeitos.
3. Cumprir a Constituição Federal que determina a aplicação dos recursos vinculados, de no mínimo 18% da União e 25% dos Estados e Municípios para a manutenção e desenvolvimento do ensino público, desvinculando da dívida pública (externa e interna), estes recursos.
4. Eliminar a desvinculação dos Recursos da União (DRU), que desviam 20% dos mesmos, e voltar a garanti-los para a Educação.
5. Garantir a participação de representantes dos movimentos sociais do campo na Comissão de discussão do Fundeb e no acompanhamento da sua aplicação.
6. Regulamentar o regime de colaboração e cooperação entre as três esferas do Poder Público quanto à sua responsabilidade na implementação das políticas de Educação.
7. Articular uma política de Educação do Campo com as diferentes políticas públicas, para a promoção do desenvolvimento sustentável do campo, priorizando os seus sujeitos.
8. Incentivar e apoiar a elaboração e a distribuição de materiais didáticos específicos dos sujeitos do campo.
9. Mobilizar iniciativas para a derrubada dos vetos do Plano Nacional de Educação (PNE).
10. Participar da Avaliação do Plano Nacional de Educação (PNE) e reformulá-lo para nele incluir a Educação do Campo.
11. Regulamentar, com urgência, a Resolução 03/99, especialmente, no que se refere à criação e à regulamentação tanto de escolas indígenas como da formação de professores específicos para elas.
12. Incorporar a Educação do Campo nos Planos Estaduais e Municipais de Educação assegurando a participação dos movimentos sociais no acompanhamento da sua execução.
13. Garantir a participação dos Movimentos Sociais nos Conselhos de Educação, Nacional, Estaduais e Municipais, e em outros espaços institucionais.
14. Garantir a construção coletiva do projeto político-pedagógico da Educação do Campo com a participação da diversidade dos sujeitos, tendo sempre como referência os direitos dos educandos.
15. Reconhecer as escolas dos acampamentos (escolas itinerantes), bem como a escolarização desenvolvida na Educação de Jovens e Adultos (EJA), nas diferentes experiências educativas do campo.
16. Promover todos os meios necessários para acelerar a implementação das
Diretrizes Operacionais para Educação Básica das Escolas do Campo (DOEBEC).
17. Garantir a formação específica de educadoras e educadores do campo, pelas universidades públicas, pelo poder público em parceria com os movimentos sociais.
18. Participar da Reforma Universitária para nela garantir a incorporação da Educação do Campo.
19. Investir na formação e na profissionalização dos educadores/das educadoras e outros profissionais que atuam no campo, priorizando os que nele vivem e trabalham.
20. Criar, para os educadores e educadoras do Campo, Centros Regionais de
Formação devidamente equipados.
21. Potencializar a Coordenadoria de Educação do Campo e o Grupo Permanente de Trabalho (GPT) de Educação do Campo do MEC, com participação dos Movimentos Sociais, para viabilizar a implementação das propostas de Educação do Campo em todos os níveis, levando em conta a plataforma aqui indicada.

EDUCAÇÃO DO CAMPO: DIREITO NOSSO, DEVER DO ESTADO
Assinam esta Declaração:
CNBB - MST - UNICEF - UNESCO - UnB - CONTAG - UNEFAB - UNDIME – MPA - MAB – MMC – MDA/INCRA/PRONERA – MEC – FEAB – CNTE – SINASEFE – ANDES – Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados – Frente Parlamentar das CEFFA´S – SEAP/PR – MTE – MMA – MinC – AGB – CONSED – FETRAF – CPT – CIMI – MEB – PJR – Cáritas - CERIS - MOC – RESAB – SERTA – IRPAA – Caatinga –
ARCAFAR SUL/NORTE

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