SER
ESTUDANTE NO EAD NO MEIO RURAL
E
A SOCIEDADE ATUAL
Mônica
de Medeiros Gonçalves¹
Resumo: Este trabalho tem por objetivo relatar a
realidade do meio rural do interior do município de Herval/RS para quem é
acadêmico de um curso de EaD, bem como analisar/refletir sobre o modelo de vida
imposto no campo e na cidade que torna a verticalidade do modelo educacional
das universidade um dos entraves para a fixação do povo do campo neste meio. Este trabalho foi elaborado em março deste ano.
¹Acadêmica do 3º semestre do curso de EaD Licenciatura em
Educação do Campo
O
ensino de “nível superior”, ou melhor, os estudos científicos especializados
são historicamente considerados privilégio (pois, superior), restritos à classe
da sociedade que também determina o significado das palavras para sustentar o domínio
e o poder (“(...)A mulher se
define pela definição do homem; da mesma forma, o colonizado se define pela
definição do colonizador. Este processo de dominação lingüística é um elemento
para diminuir a resistência...”, Nildo Viana), tão valorizados
nesta sociedade desde os tempos mais remotos.
Estudar em uma universidade é um ato heróico
para os que tiveram oportunidade e persistência em superar as dificuldades
econômicas e de acesso que o meio rural dispõe; freqüentar uma escola primária,
secundária e, por fim, chegar à conclusão de um “curso superior”. Certamente a
era das novas tecnologias vividas nos dias atuais possibilita o acesso a essa
formação científica nos lugares mais distantes.
O
Ensino à Distância, embora não seja uma modalidade tão recente, chega aos
lugares mais distantes aos poucos, tanto pelo não conhecimento da população
sobre esta modalidade, como pela não valorização das novas tecnologias como
ferramenta, como instrumento de informação, de busca, de integração com o que
ocorre a nossa volta (por ser considerado incompreensível - o computador como
algo “muito difícil de lidar”, supérfluo). Este
pensamento do povo do campo não se dá por acaso e não é uma conseqüência de
algo recente, tampouco.
O
sistema organizacional que a sociedade mundial vivencia baseia-se na forma de
se relacionar economicamente e socialmente (politicamente) com o ambiente (relação
eco lógica (?)).
“... aos poucos
acontece com a educação o que acontece com todas as outras práticas sociais (a
medicina, a religião, o bem-estar, o lazer) sobre as quais um dia surge um
interesse político de controle. ' Também no seu interior, sistemas antes
comunitários de trocas de bens, de serviços e de significados são em parte
controlados por confrarias de especialistas, mediadores entre o poder e o saber.”
(Carlos Rodrigues Brandão, p33)
Desta
forma, há gerações vem-se perpetuando o significado inverso da palavra “valor”,
e a instituição educacional não foge a esta regra: as leis que a regem são
antropocêntricas, não consideram o aspecto eco lógico e direcionam o posicionamento
ideológico através do modelo econômico, visto que este é vital; sem recursos
financeiros (o que mais tem valor hoje na sociedade humana) não é possível
viver, sub vive-se. Vale ainda lembrar que a linguagem permeia este processo,
como bem nos lembra Nildo Viana, em outro trecho de seu trabalho sobre
linguagem, onde cita a situação entre colonizador e colonizado:
“A
mutação lingüística se inicia quando os colonizadores com suas forças militares
e administrativas, acompanhados por comerciantes, se implantam na região
colonizada e logo realizam a cooptação de setores nativos, realizando uma
aliança que beneficia a ambos e significa a exploração e dominação da população
nativa. Estes setores nativos cooptados são os primeiros a adquirirem a língua
do colonizador. Os grupos sociais intelectualizados – no sentido profissional
do termo – também acabam adotando a língua do invasor.”
O EaD facilita o acesso aos estudos, à
“educação”, em partes. Para ter um “modem” se faz necessário ter salário fixo, um
computador em casa até é acessível; e, por fim, o acesso ao Pólo Universitário
para quem reside no meio rural é que torna o que pode ser acessível em fora do
alcance (se estudar e residir no meio rural). Além de, na maioria das vezes,
não haver compreensão dos acadêmicos que residem no campo (ou na cidade) quanto
à importância política de cada indivíduo no processo de construção da sociedade,
quando não expõem suas dificuldades e submetem-se a transpor “muralhas” para a
conclusão de um curso (privilégio que alimenta o “status quo”). A finalidade deste
processo é o trabalho e, principalmente, a renda. Esta parte do processo não se
dá igual a quem reside na cidade, e isto se deve ao modelo de vida ditado pela
economia e firmado pelos meios de comunicação de massa
(inclusive os meios virtuais de informação). Não há interesse do poder “público”
para a fixação do morador do campo neste meio. Esse é o funcionamento das leis
sob as quais estamos submetidos (na agricultura, na educação, na saúde,...). Basta
que tenhamos as Leis de Diretrizes e Bases (LDB) como lei maior para todo o
sistema educacional nacional (campo e cidade). Também porque não é do
conhecimento da população a importância dela própria para o funcionamento deste
sistema, ou poderíamos contar com pessoas que assumissem um papel de representação
da sociedade após as eleições (comprometidos com o bem estar igualitário a todos).
O sistema educacional tem participação importante neste processo.
“A
escola contemporânea evidencia uma organização reificante através da
multiplicação de técnicas e métodos que homogeneízam (leis universais),
simplificam (objetividade e linearidade) e agilizam (praticidade, repetição e
superficialidade) o processo educacional. A ordem pragmática cria dispositivos
de poder que compartimentalizam as relações por meio dos papéis, das funções e
das especializações. Esta forma de estruturação, que é exercida através de
instrumentos auto-reguladores, tem sua base na vigilância constante, nas
avaliações regulares dos resultados e nas sanções normalizadoras, construindo
uma pedagogia que administra o tempo/espaço, transformando o homem em
co-produtor das próprias amarras a que está submetido.” (Fabiana Castelo Valadares e Marisa Lopes da
Rocha, 2006, p 67)
Assim, a universidade como instituição de
ensino tem paradigmas a ser superados e isso pode acontecer (talvez aconteça em
alguma parte?) se os acadêmicos perceberem-se parte desta instituição e
contribuírem no processo de evolução desse processo. Milton Santos já alertava
para este caminho em 1996, dizendo que a “universidade
não é o lugar da análise do que existe, ela é, sobretudo, o lugar onde se
pré-escuta o que é possível, isto é, é o lugar que ajuda a construção do futuro.
(p17)” Tanto para os que fazem parte do EaD quanto aos que não fazem.
Também é importante lembrar a possibilidade de contar com os colegiados das
universidades em (re) conhecer a realidade dos acadêmicos e estarem abertos às
novas necessidades que o próprio sistema de vida cria a cada dia, amanhados por
leis que não suprem as necessidades de todos (e por muitas vezes existem, mas
não são cumpridas).
No meio rural a realidade é diferente da
realidade da cidade e esse fator não é levado em consideração nem na prática escolar
do ensino fundamental, o que tem sido tema de inúmeras manifestações nos nossos
fóruns do curso EaD Licenciatura em Educação do Campo. Na verdade, conhecer a
realidade de quem estuda para poder passar algum conhecimento é comum na
teoria, vimos isto desde o primeiro semestre. Porém, mudar as regras para valerem
também aos acadêmicos (não somente aos estudantes de ensino fundamental)
é um passo que exigiria uma mobilização mais contundente dos acadêmicos,
colegiados. Ter conhecimento do que é realmente vivido pela população rural,
limitações, motivações, possibilidades, alternativas. Há oito anos, Miguel
Arroyo mencionava em seus estudos a necessidade de se entender a “rica e
contraditória complexidade vivida no campo.”
“(...) se se pretende
assumir politicamente sua educação, o melhor caminho será entender o que suas
formas de seres humanos estão sendo remexidas nos alicerces mais profundos: sua
relação com a terra, suas formas de produção e de vida, suas condições de
convívio e sociabilidade. A formação do ser humano, sua socialização e produção
do conhecimento e dos valores são inseparáveis das formas de produzir suas
existências.” (Miguel G. Arroyo, p 98 e 99)
Neste
momento da história muito se estuda sobre a teoria de conhecer a realidade do
educando, porém, a esmagadora maioria dos que agora estão na universidade
aprenderam o conteúdo de forma vertical, o que contribui decisivamente à
continuidade deste modelo de ensino e dificulta a quebra do paradigma da
linearidade – paradigma este necessário para sustentar o modelo de economia que
vivemos.
Afinal,
o que é desenvolvimento? O que é trabalho? O que são valores? Que importância
tem as tecnologias digitais para esta população? Como as novas tecnologias
podem contribuir para a valorização desta população por ela própria? Qual a
finalidade da educação nos nossos tempos? Qual o papel da universidade nesse
processo? Que valor tem a “educação” hoje?
Desde o início do curso tenho tentado esclarecer essas dúvidas para
compreender o propósito de estar estudando e de estar me preparando para a
licenciatura; compreender os motivos que me levam a crer que o EaD é importante
na atualidade e compreender qual a função do educador do campo, afinal
vislumbro a cada ano jovens rurais que rumam às cidades em busca da
continuidade dos estudos. Buscam trabalho (emprego) e têm a visão de que é
preciso ganhar muito dinheiro (“bom trabalho”- trabalhar pouco e receber muito)
para ser feliz, e essa “facilidade” a vida rural certamente não proporciona.
Surge então outro questionamento: o que é ser
feliz? Esta pergunta não sai da minha cabeça desde o vestibular, onde o
questionamento da redação foi mais ou menos o seguinte: você educa seu filho
para ser alguém, ou para ser feliz? Fiquei intrigada com o questionamento,
afinal somos alguém desde a concepção no ventre de nossa mãe, e ser feliz, ora,
quem não deseja isso para seu filho? Mas por trás deste questionamento há a pré
determinação de que o trabalho (o dinheiro resultante deste esforço) leva a
pessoa a ser alguém, desta forma ela é feliz. Quer dizer, tem-se que estudar
para “conseguir” um “bom trabalho”,
ou “um bom emprego”. Então, a esta altura, deparo-me com mais uma dúvida: que
cultura é esta? Qual é a cultura do campo? É diferente da cultura da cidade?
A cultura do campo é muito diversificada nesta
região (interior do município de Herval/RS). Aqui existem assentamentos da
reforma agrária há dezessete anos (descendentes de bugres, italianos, alemães,
urbanos e rurais, a maioria do norte do estado), assentamentos pelo banco da
terra, descendentes de quilombos, grandes e pequenos proprietários de terra,
peões das estâncias. Esta foi uma das últimas regiões do Brasil a alforriar os
escravos e, segundo estudo da pós-graduanda em Sociologia Política Letícia de
Faria Ferreira, “... o que ressoa da história, de
um contexto especifico, na política são concepções de vida fundadas na
estância, ou seja, na grande propriedade de terra”, fato que é notório, por fazer
parte da vida desta região e constatar esta afirmativa (aspectos de parentesco
– sobrenomes, padrinhos, favores - que se perpetuam como privilégio, e
privilégio é considerado bom - consenso social).
Ainda no ano passado uma escola municipal rural dentro de um assentamento foi
fechada por descaso do poder público. A importância com o meio rural, com a
população que mora no interior do município, pode ser observada em diversos
setores, como saúde, lazer, escoamento da produção; da mesma forma a escola é
tratada.
Entretanto, educação não quer dizer escola. Em seu
livro “O que é educação?”, Carlos Rodrigues Brandão nos traz muitas definições
para “educação”, talvez a mais coerente com o que a história nos ensina seja o
seguinte trecho:
"A educação é a
ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram
ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver na
criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados pela
sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança,
particularmente, se destina." (Durkheim, p71)
E qual é a diferença
da cultura rural e urbana? Depende. Perante a natureza do meio, a cultura rural
é relacionada com as estações do ano, com as chuvas, com a Lua, com as
distâncias, crendices; ou, melhor dizendo, é desta forma em lugares pouco
acessíveis ao chamado “desenvolvimento” (e, diga-se de passagem, estes são
lugares em extinção). Na atualidade o rural está cada vez mais urbanizado, com
a perda dos valores próprios deste lugar; valor ao belo natural, ao respeito à
vida. As sementes utilizadas são compradas, assim como são comprados os
“adubos” (agrotóxicos), e grandes parte da alimentação. Será que esta economia
não eco lógica não tem tido grande participação neste processo de urbanização?
Por que é tão importante para quem mora no campo ser parecido com quem mora na
cidade? São tantos os questionamentos que necessitaria de um estudo muito maior
do que este.
É de grande valia esta
modalidade de ensino aos que residem distante de um centro universitário, ou longe
de uma livraria/sebo/banca de jornal, e proporciona o relacionamento com outras
pessoas de forma imediata e instrutiva. O maior entrave sentido é a distância
do Pólo universitário na sede do município. Distante 36 km da cidade, o
deslocamento é feito de ônibus; fico na cidade, geralmente, dois dias (e
noites) por semana, e sem contar com o apoio do poder “público” para assistir
às aulas presenciais faz-me pensar sobre qual é a importância dada para quem
mora no campo em continuar estudando, ou continuar morando no campo. A política
econômica dita à regra: é preciso estudar para “crescer”. E qual é o currículo
seguido como doutrina no campo? O mesmo da cidade! Onde estão os jovens do
campo? Indo para as cidades! (no nosso caso, o Pólo Naval de Rio Grande tem
sido uma opção). Onde está a subsistência dos povos do campo? Nos
supermercados!
As políticas públicas para a Educação do Campo não se estendem
aos acadêmicos. Há, portanto, muitas contradições que começam no lançar a
semente na terra, pois ela é, ou transgênica, ou híbrida. Não me refiro somente
ao alimento do corpo, mas a todo o sistema educacional, onde o conteúdo
ideologicamente corrompido pelo sistema econômico é reproduzido e,
sistematicamente, absorvido e reproduzido novamente (cultura mono). A
consciência é comprada pelo dito “trabalho”, dinheiro, e segue o ciclo vicioso nos
sistemas educacional, político, econômico, eco lógico (?).
A cultura está cada dia mais homogeneizada, tornando difícil
especificar diferenças no cotidiano de cada povo. O EaD pode contribuir em muitos aspectos, como o de
proporcionar a exposição deste ponto vista sobre a educação à distância, em
conhecer outras culturas, quebrar paradigmas. Também, pode contar com pessoas
que, assim como eu, visualizam a realidade vivenciando, sentindo e tendo
oportunidade de dividir os anseios vividos. Por mais que nos dias atuais para
conseguir um “bom emprego” a vivência não faça a menor diferença (não é do
interesse do sistema político, pois é consciente, é práxis); o que mais tem
valor hoje são certificados e comprovantes, o que não significa estar mais bem
preparado para a vida em sociedade.
Referências
BRANDÃO,
Carlos Rodrigues. O que é educação?. São Paulo: 49ª ed.; Brasiliense:
2007
FERREIRA, Letícia de Faria ; GONÇALVES, Jussemar Weiss. Cultura
Política e Cotidiano no Mundo dos Gaúchos. Artigo apresentado no X Encontro
Estadual de História, o Brasil do Sul, Santa Maria/RS: 2010
MOLINA, Mônica Castagna ; JESUS, Sonia Meire Santos Azevedo de (org). Contribuições
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Articulação Nacional “Por uma Educação do Campo”, nº 5, 2004
SCHEIBE, Luiz Fernando ; DORFMAN, Adriana (org). Ensaios a partir de
“A natureza do espaço”. Florianópolis; Fundação Boiteux: 2007
VIANA, Nildo. Linguagem, poder e relações internacionais. Humanidades
em Foco, v.2, n.4, Goiânia/GO: 2004
VALADARES, Fabiana Castelo ; ROCHA, Marisa Lopes da.
Fórum Nacional em Defesa da escola
pública na LDB: a questão da docência. Estudos e pesquisas em psicologia:
UERJ/RJ: ano 6, n.2: 2006
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