segunda-feira, 14 de maio de 2012

UNIVERSIDADE, UM PRIVILÉGIO? “POIS É, JOÃO”... ESCONDE A MÃO E O PÉ...

Buscar a memória é, sem sombra de dúvidas, tirar as vendas e perceber que não precisamos de guias. Dançar conforme a música, dito popular falado comumente como tantos outros, que nos privam o raciocínio, faz refletir... E se a música não for boa? E se for uma música que ofende nossos ouvidos, nossa integridade física e mental, somos obrigados a dançá-la? Temos que nos comportar como marionetes para sustentar a dança imposta que nos privam refletir sobre tantos outros ritmos que existem na nossa cultura de vasta diversidade?
Afinal, que música é esta, de onde veio, por que tem que ser esta, quem impôs esse ritmo?
Aos que se aderiram ao "gosto" alheio, ou gostam do ritmo, ou da letra; ou, não conhecem sua própria história, ou, não se percebem na história... Será que não há mais audição? 
"João, cadê o chão? João, que privilégio estar contigo..."


“ (...) Quando nos voltamos para a história da universidade, para o seu passado, o objetivo é sempre a compreensão do presente. Mesmo no historiador profissional, que almeja uma visão a mais objetiva possível do passado, descomprometida com qualquer outra meta além do conhecimento, a atualidade, sendo sempre o lugar de onde fala e a partir de onde se dirige ao passado, não pode deixar de aparecer como critério orientador e, mesmo, de termo de medida da compreensão que se pretende alcançar. Isso está presente em todos os estudos sobre a universidade, desde os historicamente mais abrangentes até os mais pontuais, e a causa disso é simplesmente a impossibilidade de nos desligarmos do nosso presente. Ora, para considerar todas as conseqüências dessa impossibilidade, é importante compreender o presente como o estágio transitório entre a carga do passado e a expectativa do futuro. Assim, a valorização do presente coincide, queiramos ou não, com a sua extrema relatividade. E isso pela mera razão de que os indivíduos e as instituições são produtos históricos envolvidos no processo de construção de outros produtos históricos. Se essa transitoriedade histórica nos constitui e constitui tudo que fazemos, a precaução elementar, tantas vezes repetida, é a de evitar a consideração do que somos e do que fazemos, de nossas ações e de seus resultados, como absoluto. Sendo a produção histórica de nós mesmos e de nossas instituições um processo, não cabe entendê-la como natural e inevitavelmente dada.(...)

 (...) não há nada mais comum do que confundir, nas análises que se fazem da universidade, processo histórico e natureza dada, transitoriedade do tempo e natureza essencial da instituição. Isso não significa propriamente ignorar a relatividade histórica da universidade tal como a temos; todos provavelmente concordariam que ela é um produto histórico. Mas o que se deixa de relativizar é o percurso histórico que levou a um determinado perfil assumido pela instituição. Esse, principalmente nos tempos atuais, é visto em suas linhas gerais como inevitável, natural e necessário. E assim, esbarramos na contradição existente entre a consideração de um processo histórico contingente e o advento de instituições e de organizações que necessariamente devem ser como são. E isso muitas vezes leva a confundir a idéia de universidade vigente com a idéia própria de universidade.(...)

(...) Certamente é uma contradição entender que o progresso consiste na manutenção e aprofundamento do que já existe. Mas assim como os fundadores da modernidade não puderam ver as oposições e as contradições internas ao passado histórico, assim também nós, que fazemos a experiência da modernidade como enaltecimento do presente, não podemos – e não queremos – ver as oposições e as contradições internas à nossa experiência. (...) Crer no progresso e utilizá-lo como justificativa é uma estratégia para viver o presente e projetar o futuro com relativa segurança, pelo menos até que tenhamos de enfrentar o desmentido do progresso por parte dos próprios fatos que acreditávamos engendrados por ele.(...)

(...) A tentativa de criação, que passa por inumeráveis contradições, de um modo novo de construir o saber e os critérios de conduta social e histórica. E na realização dessa tarefa, o confronto com a tradição, com o presente, com o poder, com as outras instituições e com todas as injunções e contingências que pesam sobre a teoria e a prática. (...)

(...) Por isso, não podemos partir de uma realidade dada, cuja própria consolidação já apontaria os caminhos do futuro, em inelutável continuidade com o presente. Essa aceitação significaria trair algo que está no próprio núcleo do trabalho universitário: se não colocamos a própria universidade em questão, que sentido teria colocar em questão qualquer outra coisa a partir da universidade, isto é, a partir de uma certa inserção histórica e cultural que se expressa numa determinada maneira de investigar, de criticar, de conhecer e mesmo de propor condutas? (...)

(...) O que a universidade menos procura é redefinir-se; busca, isso sim, o meio mais adequado de aplicar a si mesma uma definição construída pelo tempo histórico e por um conjunto de idéias que se constitui pela exclusão de tudo aquilo que a universidade já instituiu e preservou como valor, ao longo de sua história. O procedimento pelo qual a universidade se redefine contemporaneamente coincide inteiramente com a sua adaptação às exigências do tempo histórico: mercado, tecnociência, organização eficaz e tecnicismo produtivista. A partir dessa pauta imposta de fora, a universidade busca refazer a sua identidade através de um processo de desinstitucionalização. Tudo o que a universidade precisa fazer é recusar o que tem sido para tornar-se o que o tempo histórico lhe impõe como um dever-ser. Nesse processo de desinstitucionalização se inscrevem vários fenômenos imediatamente presentes, tais como heteronomia (absorção de critérios extrínsecos como paradigmas do modo de ser, da organização e da gestão da universidade), a privatização (assimilação dos mecanismos neoliberais de destruição da esfera pública) e subordinação ao mercado (entronização de critérios ligados ao tecnocratismo economicista). Tais exemplos configuram o quadro da adaptação, que seria ao mesmo tempo o abandono do perfil institucional em prol do perfil organizacional. (...)


Franklin Leopoldo e Silva é professor titular do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo. @ – franklin@usp.br 
Conferência feita pelo autor em 12 de abril de 2005 no Instituto de Estudos Avançados da USP, dentro da Temática Semestral "Os Desafios do Ensino Superior no Brasil", realizada de novembro de 2004 a abril de 2005.

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